E se o Brasil tivesse feito parte da Commonwealth britânica?

Imagine um Brasil onde a rainha Elizabeth II tivesse estampado nossas cédulas, onde o inglês fosse tão fluente quanto o português nas ruas, e onde o sistema parlamentarista vigorasse com estabilidade.

4/17/20254 min ler

Essa realidade alternativa — um Brasil membro da Commonwealth britânica — poderia ter nascido em diferentes momentos da história. Mais do que fantasia, é um exercício de imaginação fundamentado em episódios reais em que o destino do país esteve perigosamente próximo de Londres.

Quando isso poderia ter acontecido?

1. Durante a vinda da Família Real (1808–1821)

A chegada de Dom João VI ao Rio de Janeiro, fugindo das tropas napoleônicas, foi patrocinada pela Marinha Real Britânica. Nesse período, o Brasil se transformou em sede do império português, mas também em quase-protetorado britânico. O Tratado de 1810, por exemplo, deu aos súditos britânicos privilégios comerciais, jurídicos e religiosos inéditos.

Se a situação política em Portugal tivesse se deteriorado ainda mais, ou se Dom João VI tivesse optado por se afastar definitivamente da metrópole, os britânicos poderiam ter sugerido a entrada do Brasil na esfera da Commonwealth como forma de manter estabilidade e controle regional — algo semelhante ao que ocorreu mais tarde com a África do Sul e a Nova Zelândia.

2. Com o Bill Aberdeen (1845)

A pressão britânica para o fim do tráfico de escravizados foi um momento de grande tensão diplomática. A Lei Aberdeen permitia à Marinha britânica abordar navios suspeitos de tráfico, mesmo em águas brasileiras. O ressentimento local foi imenso. Mas o impasse também poderia ter levado a outro caminho: um tratado de submissão ou aliança formal com o Império Britânico para evitar atritos, talvez condicionado à abolição gradual da escravidão e adoção de instituições britânicas. Lord Aberdeen e o almirante John Thomas seriam nomes centrais nesse arranjo.

3. Durante o “caso Christie” (1863)

O aprisionamento de marinheiros britânicos e o confisco de navios no Brasil levou o Reino Unido a romper relações diplomáticas com o Império. Esse episódio, conhecido como Incidente Christie, poderia ter escalado para uma intervenção militar. Se o Brasil não tivesse cedido, o Reino Unido poderia ter ocupado portos estratégicos (como fez em Xangai ou Hong Kong), exigindo garantias em troca da retirada — e transformado o país numa colônia informal, mais tarde integrada à Commonwealth. Nessa hipótese, Dom Pedro II teria sido um rei “simbólico” sob supervisão britânica.

4. Na Guerra do Paraguai (1864–1870)

Durante a maior guerra da América do Sul, o Brasil contou com apoio indireto britânico, sobretudo em tecnologia naval. Se a guerra tivesse se estendido e o Brasil precisasse de ajuda financeira ou militar mais robusta, poderia ter aceitado condições britânicas em troca. Isso incluiria reformas institucionais, abertura econômica — e, por que não, uma associação formal à Comunidade Britânica. Lord Russell, primeiro-ministro britânico à época, era simpático a esse tipo de reorganização geopolítica.

5. Com a Proclamação da República (1889)

A deposição de Dom Pedro II foi recebida com frieza por muitos setores internacionais. Se houvesse instabilidade prolongada ou risco de guerra civil (como quase ocorreu), o Reino Unido poderia ter apoiado um retorno monárquico vinculado à Commonwealth, com um novo pacto constitucional. Poderíamos ter tido um “Dom Pedro III” educado em Oxford, por exemplo, como chefe de Estado sob tutela britânica.

Resistência nativista: como reagiria o povo?

A história brasileira mostra que resistência à ocupação estrangeira nunca foi passiva. Como nas invasões holandesas do século XVII, em que movimentos populares e religiosos reagiram ferozmente à dominação, é possível que um Brasil sob tutela britânica tivesse enfrentado revoltas nativistas.

Movimentos como o sebastianismo nordestino, o federalismo sulista e até o tenentismo do século XX poderiam ter assumido traços fortemente anti-imperialistas. O povo brasileiro sempre oscilou entre encantamento e desconfiança em relação ao estrangeiro — e a presença britânica direta certamente acirraria os ânimos em diversas regiões.

Como seria o Brasil da Commonwealth?

  • Sistema político parlamentarista estável, com um primeiro-ministro eleito e um governador-geral representando a Coroa Britânica;

  • Educação bilíngue, com escolas públicas ensinando inglês desde o básico;

  • Fim antecipado da escravidão, possivelmente nas décadas de 1830–40;

  • Sistema jurídico baseado na common law, como no Canadá ou na Austrália;

  • Integração econômica com a Inglaterra e depois os EUA, talvez formando parte de blocos comerciais diferentes do Mercosul;

  • Cultura popular híbrida, com samba coexistindo com jazz e literatura anglófona inspirando escritores locais.

Seria um Brasil melhor?

Talvez mais estável, menos marcado por golpes e ditaduras. Mas também menos autêntico, menos plural em sua identidade própria. A cultura nacional teria sido moldada por padrões britânicos — e não por um processo interno, mestiço e tortuoso. Ganharíamos em infraestrutura, mas talvez perdêssemos a alma criativa que nos torna únicos.

Produtos recomendados para se aprofundar nesse universo

  • 📕"A presença britânica no Império do Brasil: o caso da firma Edward Johnston & Co. no Rio de Janeiro, c.1842-c.1852" - Carlos Gabriel Guimarães

    Um estudo aprofundado sobre a influência britânica na política imperial brasileira.
    https://amzn.to/4jv2CSw

  • 📘 "The Imperial frontier in the tropics,1865-75" – W. David McIntyre
    Essencial para entender o que significa pertencer à Commonwealth.
    https://amzn.to/4cHdDhA